“O meu pé de laranja lima” é um livro para quebrar os preconceitos contra os clássicos da literatura nacional. Parece uma história “batida”, por conta das inúmeras adaptações para o teatro, TV e cinema. Contudo é uma história impressionante, tocante, linda demais para ser ignorada pelos leitores.
A obra do escritor carioca, José Mauro de Vasconcelos é um sucesso absoluto. Lançado em 1968, o livro já vendeu mais de 2 milhões de exemplares no mundo todo. Foi publicado em 23 países, traduzido para 15 idiomas. No Brasil já teve mais de 150 edições. É um clássico que precisa ser valorizado e reconhecido pelos leitores brasileiros.
“O meu pé de laranja lima” conta a história de Zezé, um menininho super inteligente, que com apenas cinco para seis anos, já sabe ler e tem uma consciência muito profunda da sua realidade.
A família de Zezé é miserável, o pai está desempregado e o principal sustento da casa vem dos turnos que a mãe faz na fábrica. Falta de tudo na casa deles, e tanto Zezé, quanto o seu irmão mais velho, Totoca, precisam engraxar sapatos para ganhar uns trocadinhos.
“A pobreza lá em casa era tanta que a gente desde cedo aprendia a não gastar qualquer coisa. Tudo custava muito dinheiro. Era caro.” (pag.163)
Apesar de todo esse aperto, Zezé vive a infância em toda a sua plenitude. Ele brinca na rua, sobe nas árvores, joga bolinha de gude e troca figurinhas, e claro, faz algumas traquinagens típicas da idade. Por essas ele apanha, e muito.
Toda a família descarrega suas frustrações em Zezé, justificando as constantes surras como proeza do diabo. Ora Zezé é filho do demônio, ora ele foi influenciado por ele, em alguns momentos ele é o próprio diabo.
“Porque em casa eu aprendia descobrindo sozinho e fazendo sozinho, fazia errado e fazendo errado acabava sempre tomando umas palmadas. Até bem pouco tempo ninguém me batia. Mas depois descobriram as coisas e vivem dizendo que eu era o cão, que eu era o capeta, gato ruço de mau pelo”. (pág.12)
Enquanto isso, Zezé aceita sua condição, e mergulha na sua imaginação, para fugir da dura realidade. O pé de laranja lima, apelidado de “minguinho” é o principal fruto dessa imaginação fértil. Nele, Zezé viaja para terras distantes em aventuras felizes ao lado do seu fiel companheiro.
Zezé é um menino bem-intencionado, porém largado, a única pessoa que tem um pouco de paciência com ele é a sua irmã Glória (Godóia), a única fonte de amor que ele conhece, até então. A sua mãe, infelizmente não tem tempo para ele. Na escola, Zezé se comporta direitinho, é o mais inteligente da classe e o xodó da professora Dona Cecília Paim. Na rua, ele também apanha dos vizinhos e nas brigas para defender o seu irmão Totoca.
A violência e a pobreza são presenças constantes na vida sofrida de Zezé. Falta amor, carinho, respeito e sobretudo uma referência. No fundo ele só precisava de alguém que se importasse com ele de verdade, protegesse, educasse e orientasse quanto a vida.
É aqui que começa uma das amizades mais lindas da literatura. Apesar de o primeiro encontro entre os dois resultar em umas palmadas em Zezé, a amizade entre ele e o velho português Ladislau (Portuga) é um dos momentos mais lindos e inesperados da história. A pureza desta amizade é o que salva (literalmente) e dá sentido à vida dos dois.
“Porque você é a melhor pessoa do mundo. Ninguém judia de mim quando estou perto de você e sinto um sol de felicidade dentro do meu coração”. (pág.143)
“O meu pé de laranja lima” é uma das histórias mais tristes e mais singelas que já li. Eu chorei horrores em vários trechos da leitura. Sinceramente não tinha noção do que se tratava a obra e me surpreendi demais. O início é meio arrastado, porém a empatia com Zezé é imediata. Em alguns momentos você quer repreendê-lo, em outros abraçá-lo, consolá-lo, dá uma perspectiva de que as coisas vão melhorar. Zezé sofre muito e a gente sofre junto com ele.
É uma obra autobiográfica e isso me fez admirar ainda mais o escritor José Mauro de Vasconcelos, porque tocou fundo em feridas e problemas comuns ao dia a dia do leitor brasileiro. A narração é ao mesmo tempo ingênua e impactante, capaz de imprimir uma verdade absurda, inclusive sobre a possibilidade de uma árvore consolar e dá abrigo a uma criança. Em uma história lúdica e despretensiosa, ele aborda temas seríssimos como o desemprego, alcoolismo, violência doméstica, perdas, a importância da família e da amizade.
É um clássico fácil de ler. A linguagem é simples e o livro é bem pequeno. A escrita de José Mauro de Vasconcelos é suave e cativante. Leiam!
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