Sim, eu assisti a um filme brasileiro na Netflix em meio a uma enxurrada de boas indicações do Oscar 2018. E, sim, eu não me arrependi nem um pouco. Pelas chamadas que já tinha visto na TV (quando passou na “Tela Quente”, na Globo) e pelo trailer, eu já sabia que o filme “Reza a Lenda” seria diferente de toda essa sucata nacional, de drama sem graça a comédia falastrona, que surge por aí. Mas assistir, já na primeira cena, a um take de ação delirante, com direito a perseguição policial em alta velocidade a motoqueiros bandidos do sertão, com cortes perfeitos numa exímia montagem, sem nenhum amadorismo, e que vai culminar num acidente daqueles que te deixam com os olhos arregalados, é algo que já valeu a pena e que você nunca viu no cinema brasileiro.
O filme do diretor estreante Homero Olivetto é assim: um verdadeiro filme de ação, cuja comparação com blockbusters de enormes orçamentos já até surgiram – falaram até que é um “Mad Max” nordestino. Também não é para tanto… Só demos aquela abrasileirada – certeira, eu diria. A caatinga e o sertão, amplamente retratados em nossos filmes, agora são cenários de um faroeste do cangaço, onde até o “fim do mundo”, nas palavras de um dos personagens, precisa de uma solução. E é por meio da fé e da crença a uma lenda do sertão que a bandidagem de anti-heróis tenta chegar a esse desfecho.
Explicando o roteiro: a trama gira em torno de uma santa de ouro que, segundo uma lenda, faz milagres. Um grupo de bandidos motoqueiros, liderados por Ara (Cauã Reymond), rouba a santa – que pertence ao cruel fazendeiro Tenório (Humberto Martins) e é exposta por ele num morro com entrada paga – e a leva para uma capela no meio da caatinga, onde eles acreditam piamente que aquele ato vai trazer a tão esperada chuva pro sertão. Ara tem que lidar com uma refém, Laura (Luisa Arraes), com o ciúme doentio de sua mulher cabra-macho, Severina (Sophie Charlotte), e com os capangas do poderoso sertanejo, que vão em busca da santa. Numa narrativa cheia de nuances e que segura sua atenção pelas tramas entrelaçadas, as cenas de ação pipocam na tela, somadas a uma trilha que vai desde as batidas pesadas do rock e do hip-hop até o som característico das sanfonas nordestinas.
Você viu que só falei coisa boa do filme, né? E, se aprofundarmos ainda mais na tradição do nosso povo, a produção fica ainda mais interessante. Uma população sofrida que quer o mínimo – a água – e não tem a quem recorrer, senão aos céus, só lhe resta a fé. É tanta dor que, em certo momento, o personagem de Cauã diz: “Deus não castiga sem motivo. A gente sofre é por alguma razão”. Parece que eles sentem e aceitam a arbitrariedade divina, porém, buscam remediar à maneira deles. Justiceiros velozes podem, sim, tentar trazer a esperança de volta para o povo. “Se é na fé que mora a força do homem e apenas os fortes têm fé, só os corações grossos vão sobreviver”.
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