A cada 45 minutos um brasileiro tira a vida
A Organização Mundial de Saúde (OMS) traz dados alarmantes sobre depressão e suicídio. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio no Brasil estão relacionados a transtornos mentais, tendo a depressão como principal causa.
Desde 2015 o CVV (Centro de Valorização da Vida), CFM (Conselho Federal de Medicina) e ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) promovem o Setembro Amarelo, mês dedicado a conscientização e prevenção do suicídio.
Cerca de 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados
A falta de informação e os inúmeros tabus que cercam a depressão e culturalmente o suicídio, têm impedido de salvar vidas.
A psicóloga e psicoterapeuta Camilla Gordiana (CRP 04/46968), especialista neuropsicologia e Terapia Cognitivo Comportamental, explica esse tabu e ressalta a importância de se falar sobre o assunto. “Não falamos de suicídio porque temos dificuldade de falar sobre morte, luto, dor, câncer entre outros assuntos dolorosos. E por não falarmos disso, as pessoas costumam não saber o que fazer diante da tristeza. O fator que contribui para o tabu é: o silêncio. Porque não é agradável falar sobre quem se matou ou tentou se matar. Mas, ao mesmo tempo, discutir o assunto e entender os fatores que levam a ele, é umas das possibilidades que temos de enfrentamento contra o suicídio”, afirma.
Embora haja um esforço maior em se abordar mais claramente a depressão, não apenas no mês de setembro, com séries como “Não tá tudo bem, mas vai ficar” do Fantástico da TV Globo, que desmitificou a depressão, falou sobre preconceitos, diagnóstico e tratamento, trazendo depoimentos de pessoas comuns e celebridades que, inclusive pensaram em tirar a própria vida. “É preciso entender que as pessoas que se matam não querem necessariamente morrer, elas querem se livrar do sofrimento. É exatamente assim, que escuto no consultório”, ressalta Camilla.
As pessoas que sofrem com depressão além de ter que lidar com os inúmeros sintomas incapacitantes da doença, ainda são alvo do julgamento impiedoso e cruel da sociedade.
É de extrema importância destacar que:
- Depressão é uma doença grave
- NÃO é falta de Deus
- NÃO é drama
- NÃO é frescura
- Não é pra chamar atenção
Até entender que a pessoa que sofre com depressão precisa de fato de ajuda, muito sofrimento já aconteceu, a ponto de levar a morte. É possível ajudar e a informação é importantíssima, seja por meio de artigos científicos, reportagens, depoimentos e também a leitura.
Camilla destaca como a literatura pode ajudar pessoas com depressão. “Pessoas com depressão ou outro tipo de condição clínica, se beneficiam de qualquer intervenção que traga alívio e conforto. Quando estamos machucados e vivendo um caos interior, a literatura e a escrita são agentes poderosos de reconstrução, de ressignificação, aliados à mudança. Sem dúvidas, uma ferramenta terapêutica que ajuda quem está com depressão. Porque educa e nos ajuda a compreender o que acontece. Valida como nos sentimos, e assim somos capazes de raciocinar de forma saudável.”
A literatura pode ser uma grande aliada contra a depressão, tanto para quem sofre com a doença, quanto para quem acompanha o sofrimento de parentes e amigos, sem saber de fato como lidar.
Para a psicóloga Camilla Gordiana (CRP 04/46968) a literatura é uma coadjuvante importante para educar e compreender a doença. “Não existe ficção sem que exista a realidade para servir de inspiração, compartilhar narrativas é uma maneira interessante de sensibilizar e informar a população. “Para os gregos, as bibliotecas eram espaços que curavam a alma”. O cérebro tem a capacidade de experimentar o que lemos e de empatizar com as palavras, que nos ajudam a dar nomes e a expressar o que sentimos. A literatura é um coadjuvante importante neste processo. Porque educa e nos ajuda a compreender o que acontece. Valida como nos sentimos, e assim somos capazes de raciocinar de forma saudável. É fundamental conhecer sobre depressão e as formas em que se manifesta.”
A literatura moderna vem se diversificando, fugindo da melancolia de algumas eras e gêneros literários, abordando de forma simples e direta os temas depressão, transtornos alimentares, bullying e suicídio, em personagens mais próximos da realidade e do nosso dia a dia.
Entre os diversos benefícios que a literatura apresenta ao leitor, a missão de informar e conscientizar nunca esteve tão em alta. O gênero Sick-lit, que tem como público-alvo jovens e adolescentes, é um dos responsáveis por adentrar no mundo de quem sofre com alguma doença, esclarecendo e mostrando um pouco do que está acontecendo, de diferentes pontos de vista, inclusive escrito por quem já superou ou ainda luta para vencer alguma doença.
Vale ressaltar que cada caso é um caso único e que precisa de atenção especial. “Contar a sua história pode ter um efeito curativo e fortalecedor em que lê e quem escreve. O preconceito histórico em não falar sobre o tema, não ajudou a prevenir mortes. Se uma literatura, seja ela de autorrelato ou informativa, ao final indica que a pessoa pode receber ajuda, isso se transforma em uma rede de cuidado. E isso, faz diferença”, afirma Camila Gordiana.
Obviamente não existe uma fórmula mágica para se livrar da depressão, pelo contrário, especialistas apresentam abordagens multidisciplinares para os pacientes, visando o seu fortalecimento e o acompanhamento também de seus entes queridos.
Contudo, ouvir, compreender e principalmente não julgar já é um enorme passo para ajudar quem você ama e salvar vidas. E nesse processo de informação, a literatura vem quebrando tabus e falando francamente sobre depressão e como ela e outras doenças e problemas socioeconômicos e culturais podem levar ao suicídio.
Importante destacar que ao falar abertamente sobre depressão, apresentar a gravidade dos seus sintomas que afetam diretamente o humor, o comportamento e a cognição, pode desencadear gatilhos nada favoráveis em que já esteja com a doença. Portanto, avalie seu momento para leitura, e em vez de ler que tal indicar para alguém que possa te ajudar.
Confira 6 livros que ajudam (me ajudaram) a entender a depressão.
Conta a história de amizade entre Jéssica, um fantasma legal, perdido no mundo dos vivos, e três adolescentes massacrados e profundamente marcados pelo bullying e pela depressão.
É um livro singelo e ao mesmo tempo profundo, que traz temas pesados como o bullycídio, que é o suicídio motivado pelo bullying cada vez mais comum entre as crianças (sim crianças) e adolescentes. Mas também mostra que a amizade, o companheirismo, respeito às diferenças, são alguns dos caminhos para a redenção.
O autor Andrew Norriss tratou os temas com muita delicadeza e responsabilidade. Veja a resenha completa clicando aqui.
Mabel Grace é uma garota talentosa, inteligentíssima, mas tomada por uma forte depressão. Toda a sua família e amigos estão cientes do seu quadro, contudo se acostumaram e não fazem muito para ajudá-la. Mas não é que a família não se importe com ela, eles não entendem o perigo de morte que ronda quem sofre dessa doença. Mabel está a um passo de desistir, embora seja gritante o seu pedido de socorro.
“A tristeza parecia destruir tudo aquilo que costumava me fazer sorrir”.
Mabel vive seus dias de cada vez, sofridos, obscuros e sem perspectiva de futuro. Contudo, alguém se importará com Mabel, e será justamente seu antigo rival na escola, North St. John, que retorna a ilha para o casamento do pai. Atenção! Não se trata de um romance em que o macho aparece na história única e exclusivamente para salvar a mocinha. Os dois se completam, em uma história bem construída onde o amor, a amizade, superação, e principalmente compaixão prevalecem. Veja a resenha completa clicando aqui.
Conta a história de um garoto propositalmente sem nome, porque o que acontece com ele não é uma exclusividade de um personagem, é algo comum a todos nós. Ele sofre de uma depressão profunda, desencadeada após a morte do melhor amigo. Desde então, ele vive enclausurado em casa, fechado no que denomina “caverna da depressão”. E, escreve um diário a pedido da psicóloga para tentar entender o mundo ao seu redor, uma forma de escape desabafo.
“Penso o quão ruim deve ser viver em uma gaiola, seja ela do tipo que for; gaiolas físicas, gaiolas de sentimentos, gaiolas de alma. E, definitivamente, as gaiolas invisíveis que nos cercam, das quais muitas vezes nem ao menos temos consciência de que nos prendem, são as mais devastadoras.” (pág.35)
A história do garoto quase atropelado é triste, melancólica e sufocante, porque o tom de sofrimento, infelicidade, prostração é intensa, e aborda também temas pesados como homofobia, bulimia, abuso sexual, abandono familiar, bullying, violência, morte e por fim, suicídio. Mas tudo se sobrepõe aos ensinamentos de esperança.
É um livro jovem, com linguagem e referências, que ensina bastante sobre lidar traumas e encarar o mundo de frente. Confira a resenha completa aqui.
Alucinadamente Feliz foi a maneira que a Jenny Lawson encontrou para conviver pacificamente consigo mesma e com os inúmeros transtornos mentais e problemas de saúde que tem.
O livro traz um pouco do dia a dia da Jenny que impressiona a cada virada de página. Mostra como é difícil conviver com pessoas que sofrem com transtornos mentais, mas ao mesmo tempo evidencia a importância de entender a condição em que se está vivendo.
“De acordo com os muitos psiquiatras que visitei nas últimas duas décadas, sou uma depressiva altamente funcional com transtorno de ansiedade grave, depressão clínica moderada e distúrbio de automutilação brando proveniente de um transtorno do controle de impulsos. Tenho transtorno de personalidade esquiva (que é tipo uma fobia social chapada de anfetamina) e um ocasional transtorno de despersonalização …” (pág.25/26) “Tenho artrite reumatoide e doenças autoimunes. E salpicadas como granulado sobre o bolo mentalmente desequilibrado, coisas como um TOC moderado e tricotilomania (o impulso de arrancar os cabelos) …” (pág. 26)
Conta a história de amizade entre dois jovens com tendências suicidas. É uma temática pesada porque se percebe o quão triste pode ser a vida de alguém que desiste de viver. E quando se está dentro da história junto com o personagem, enxergando seu sofrimento, seu lamento, sem poder fazer nada, é agoniante.
A popular Violet Markey e o “esquisitão” Theodore Finch são jovens perdidos, com famílias ausentes e problemáticas, que simplesmente não percebem o que ocorre na mesa do jantar e isso é triste demais. A amizade entre os dois é bonita, contudo mesmo visitando os lugares mais incríveis de sua cidade, a iminência da morte estará sempre à espreita.
O suicídio é um tema pesado, cruel e difícil de digerir. Mas, essa história vem para mostrar o quanto precisamos ficar atentos e sempre alertas ao que acontece ao nosso redor, com nossos amigos e familiares. Por lugares incríveis é uma ficção que muda vidas. Veja a resenha completa aqui.
Dica da Camila: Com as crianças gosto de trabalhar com “A ovelha mal e o lobo bem: entendendo a depressão infantil” autora Vanina Cartaxo, é uma obra que propicia um tratamento eficaz e lúdico, pautado na Terapia Cognitivo-Comportamental, linha de terapia que atuo.
Esses são apenas alguns exemplos de livros com linguagem simples e direta, que tocam profundamente no tema e darão lindas lições de empatia e amor ao próximo. Conhece outras histórias que falam sobre o tema? Deixe aqui nos comentários.
É importante lembrar que não é fácil pedir ajuda, e pensando nisso O CVV – Centro de Valorização da Vida, oferece apoio emocional gratuitamente e sob total sigilo, por telefone 188, e-mail e chat 24 horas diariamente.
A literatura é um bálsamo que traz diversos benefícios para o leitor e possibilidade de salvar vidas é a mais importante!
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Esta coluna é publicada invariavelmente as segundas, porque às vezes o livro é bem grande (rs)
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