Caxangá, Morro Velho, Romaria e Cartomante são alguns dos hits; Disco
foi gravado quando ela estava grávida de sua filha Maria Rita
Elis Regina, uma das maiores cantoras e intérpretes do país conseguiu o que muitos artistas da atualidade com certeza sonham: se tornar eterna e cada vez mais viva no coração dos fãs. Mas além da figura “Elis Regina” que foi marcante e cativante nos palcos, sua discografia também foi responsável por mudanças de comportamento, que digam os “excelentes” álbuns: “Ela (1971)” e “Falso Brilhante (1976)” com músicas de Belchior e João Bosco. No entanto, nenhum desses discos conseguiu alcançar a tamanha musicalidade de “Elis (1977)” que completou 42 anos de história. Produzido por César Camargo Mariano (seu marido na época), traz interpretações e arranjos de suma relevância que demonstram exatamente o estilo e o comportamento da época. O álbum foi lançado quando ela estava grávida de sua filha Maria Rita.
Comprovando toda a força da eterna “pimentinha” (apelido carinhoso dos amigos), o disco começa com a música “Caxangá”, um presente do seu compadre “Milton Nascimento”, que aliás, faz participação com seu vocal único. Se era preciso falar sobre a questão dos empregadores nos anos de 1970, a letra da canção cai muito bem. O violão é arrebatador. “Sempre no coração. Haja o que houver. A fome de um dia poder morder a carne dessa mulher. Veja bem meu patrão como pode ser bom. Você trabalharia no sol e eu tomando banho de mar. Luto para viver. Vivo para morrer. Enquanto minha morte não vem. Eu vivo de brigar contra o rei. Em volta do fogo todo mundo abrindo o jogo. Com tudo que tem pra contar. Casos e desejos coisas dessa vida e da outra. Mas nada de assustar”.
Com “Colagem”, Elis Regina mostra ainda mais sua versatilidade na interpretação. A música de Claudio Lucci nos transporta para o período ainda enraizado da Ditadura Militar no Brasil. “Se você com muita calma usar sua raça. Vai surpreender. A surpresa para muitos é uma arma. Pra se esconder. Se esconder não é tão bom. Pra viver, pra morrer. Se você lembrar que tudo é relativo. Vai compreender. E a compreensão por vezes tão sensata Vai lhe conter. Se conter não é tão bom. Pra viver, pra morrer. Pra viver, pra morrer. Se você tentar despir essa colagem. Vai se perder. E a perda de si próprio é quase um passo. Pra conceder. Conceder não é tão bom. Pra viver, pra morrer, pra nascer”.
Na canção “Vecchio Novo”, também de Cláudio Lucio, o violão “limpo” de Nathan Marques faz destaque. “Amor sem pé, nem cabeça. Que vive dentro de nós. Explode tão facilmente. E sem mais nos esquece sós. Quantos e tantos presságios. Que por instantes nos faz. Sentir-se forte e moleque. E estranhamente encarar. Um belo poema novo. Vecchio de tanto amor, amar. Vecchio, encanto novo. Sempre aqui onde está”.
Em “Morro Velho”, mais uma grande canção de Milton Nascimento, Elis Regina consegue trazer ainda mais “emoção” para a música com seu timbre baixo e suave. “No sertão da minha terra, fazenda é o camarada que ao chão se deu. Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu. Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho, lindo a crescer. Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada. Filho do branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho”.
Na canção “Qualquer Dia”, Elis Regina traz mais uma bela interpretação na música de Ivan Lins e Vitor Martins. Em seguida ela apresenta para seu ouvinte “Romaria”, canção que traz Renato Teixeira tocando um violão magnífico. Aliás, a letra também é sua. “É de sonho e de pó. O destino de um só. Feito eu perdido em pensamentos. Sobre o meu cavalo. É de laço e de nó. De gibeira ou jiló. Dessa vida cumprida a sol. Sou caipira pirapora nossa. Senhora de Aparecida. Ilumina a mina escura. E funda o trem da minha vida. Sou caipira pirapora nossa. Senhora de Aparecida. Ilumina a mina escura”.
O álbum “Elis (1977)” ainda traz muitas surpresas para o ouvinte com “A Dama do Apocalipse” e traz “Cartomante”. A música é também de Ivan Lins e Vitor Martins. Com a gravação da música, Elis Regina deu também um apoio a carreira de Ivan Lins que mesmo já tendo alguns discos gravados, ainda não era tão conhecido. “Nos dias de hoje é bom que se proteja. Ofereça a face pra quem quer que seja. Nos dias de hoje esteja tranquilo. Haja o que houver pense nos teus filhos. Não ande nos bares esqueça os amigos. Não pare nas praças. não corra perigo. Não fale do medo que temos da vida. Não ponha o dedo na nossa ferida. Nos dias de hoje. não lhes dê motivo”.
Para fechar o álbum com chave de ouro, Elis Regina canta “Sentimental eu Fico” também de Renato Teixeira e “Transversal do Tempo” de João Bosco e Aldir Blanc. A música também tem uma letra marcante. “As coisas que eu sei de mim. São pivetes da cidade. Pedem, insistem e eu. Me sinto pouco à vontade. Fechada dentro de um táxi. Numa transversal do tempo. Acho que o amor. É a ausência de engarrafamento. As coisas que eu sei de mim. Tentam vencer a distância. E é como se aguardassem feridas. Numa ambulância. As pobres coisas que eu sei. Podem morrer, mas espero”.
Avaliação
A maturidade de “Elis (1977)”, talvez esteja na escolha das músicas para compor o repertório do disco. Se em álbuns anteriores ela gentilmente já trazia nomes da MPB, nesse disco ela surpreende. Prova disso, é que a cantora escolheu nada mais, nada menos, que nomes que estavam já despontando no cenário musical na época, como, Milton Nascimento, Renato Teixeira, Ivan Lins e João Bosco. Uma escolha certeira e a altura do peso da artista na época. Dentre as 10 canções do disco (que são marcantes), indico: “Caxangá”, “Colagem”, “Morro Velho”, “Romaria”, “Cartomante” e “Sentimental eu Fico”. Avalio com cinco estrelas (máxima), pois, além dos grandes nomes interpretados na obra, Elis Regina apresenta um vocal “afinadissimo” e emocionante. Com tudo isso, ela se firmou com toda certeza como uma das maiores cantoras da MPB.
Até a próxima Crítica Musical.
Crítica Musical é publicada neste espaço toda quinta-feira.