Na época em que fui assistir no cinema ao filme “O Regresso”, confesso que fiquei muito ansioso. Mesmo eu não procurando saber muita coisa sobre o filme antes de vê-lo, fugindo loucamente dos spoilers, soube de toda uma magia em torno do longa por mil motivos: a história era real; o papel pesado, sofrido e desafiador que Leonardo DiCaprio desempenharia era surpreendente; e, claro, o diretor Alejandro G. Iñárritu usava e abusava de recursos que só o seu detalhismo poderia nos oferecer, como incríveis planos-sequência, cenas com exuberantes paisagens envoltas em tensões e angústias humanas, além de ter o poder de deixar interessantíssima e nada lenta uma produção de duas horas e 36 minutos de duração, cujo protagonista fala muito pouco ou quase nada. Isso sem contar as incríveis 12 indicações ao Oscar 2016 – das quais ele levou três: melhor fotografia, melhor diretor e, finalmente, melhor ator para DiCaprio. Fim. Já tinha me conquistado. E, agora, me conquistou novamente, pois a premiada produção está disponível na Netflix e me fez acompanhar novamente o protagonista Hugh Glass (DiCaprio).
Na bela região montanhosa do Noroeste dos EUA, em 1822, em meio à selvageria entre colonos ingleses e franceses e indígenas em busca de peles de animais para venda, Glass sai com um grupo para caçar, mas é atacado violentamente por um urso. Seriamente ferido, ele é abandonado à própria sorte pelo antagonista John Fitzgerald (Tom Hardy), que ainda rouba seus pertences e mata seu filho. Com todas as adversidades, Glass consegue sobreviver e trava uma árdua jornada em busca de vingança. Incontáveis cenas de ação deixam claro que o personagem é um verdadeiro ser imortal. Mas, com a perfeição de Iñárritu, em nenhum momento você passa a duvidar daquele surrealismo. O tom intimista do diretor – com movimentos bruscos de câmera e, às vezes, tão perto do protagonista que chega a embaçar a lente – eleva a tensão em cena. Nunca vi tantos conjuntos de cena que dessem tanta agonia. E, nesse sentido, DiCaprio se apresenta como a figura real para essa plenitude.
Em transe, sob o sussurro de seu antigo amor, uma indígena mãe de seu filho, morta por colonos no início da história, ele segue seu martírio. “O vento não derrota uma árvore de raízes fortes”. Ferido, sem fala e sem nenhuma condição de seguir viagem sozinho, ele continua buscando forças na vontade de se fazer justiça: “Se você olhar uma árvore de perto, vai jurar que seus galhos são fracos. Mas, se notar o tronco, verá a estabilidade dela”. É daí que ele tira forças.
Entre cenas com paisagens nítidas e pores do sol encantadores – as filmagens foram feitas o tempo todo usando a luz natural, um exímio trabalho do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (foi o terceiro Oscar seguido dele, depois de “Gravidade” e “Birdman”), o intenso personagem de DiCaprio deu ao ator, enfim, a sua primeira estatueta.
Seria injusto – após dez meses de gravações, enfrentando temperaturas baixíssimas, carregando um “casaco” de pele de urso que, molhado, chegava a pesar 50 kg, comendo fígado bovino cru em cena, mesmo sendo vegetariano, mergulhando de cabeça nas insanidades mais que realistas do diretor – se DiCaprio não levasse o maior prêmio de sua história. “A gravação de uma cena dura minutos, o filme é para sempre”, assim disse o ator quando questionado sobre os desafios aos quais se submeteu durante a produção do longa. E foi assim, sob a perspectiva dessa frase, que, na época, você sairia da sala de cinema pensando: “É, Leo… Agora vai”. E realmente foi! Merecido, vale a pena entrar, até mais de uma vez, nessa instável floresta de DiCaprio.
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