Você se acha muito sozinho? Às vezes, você pensa e acredita que nasceu muito cedo ou muito tarde para sua época? Os solitários personagens do filme “A Forma da Água”, em cartaz nos cinemas, pensam assim, vivem assim, fazem essa reflexão e fazem de tudo para que esse cenário mude e aquele sonhado amor apareça como um troféu a ser levantado, um prêmio como companhia para uma vida inteira. Ao assistir a essa obra-prima do cinema do diretor Guillermo del Toro, você vai entender por que as pessoas (e até você mesmo) vivem buscando sair do isolamento e por que a produção recebeu tantas indicações para o Oscar 2018 – foram 13 no total, incluindo melhor filme, melhor direção, melhor atriz para a protagonista Sally Hawkins e tantos outros técnicos.
Ninguém vive sozinho. Nem o ser humano, nem os animais, nem ninguém. Nem um monstro viveria isolado de tudo e de todos. “A Forma da Água” conta a história da “princesa sem voz” Elisa (Hawkins), uma mulher muda e reservada, que trabalha como faxineira num centro de pesquisas do serviço secreto norte-americano em meados dos anos 60, no fervor da Guerra Fria. Sua vida pode ser retratada como uma rotina metódica e pacata, até que, certo dia, em um dos laboratórios do local em que trabalha, ela descobre uma criatura aquática extraordinária (um monstro que foi encontrado na América do Sul e que era tido como um deus pelos nativos da Amazônia). O ser bípede e com uns dois metros de altura é mantido preso em uma piscina ou em um aquário do laboratório sob maus-tratos e todo tipo de experiência. Curiosa, Elisa começa a se comunicar com a criatura com música e linguagem de sinais e acaba nutrindo uma relação especial por ela, pensando até mesmo em resgatá-la. Para executar um arriscado e apaixonado resgate – e desviar a atenção do furioso chefe de segurança, Richard Strickland (Michael Shanon) –, ela recorre ao melhor amigo, o também solitário Giles (Richard Jenkins), e acaba recebendo uma inesperada ajuda da colega de turno Zelda (Octavia Spencer) e do misterioso cientista Dr. Robert Hoffsteler (Michael Stuhlbarg).
Essa é a trama fantástica idealizada, escrita, produzida e dirigida pelo mexicano Guillermo del Toro (de “Labirinto do Fauno” e “Círculo de Fogo”), um conto de fadas dos mais imaginativos, em cuja história você tem oportunidade de mergulhar de cabeça. Na verdade, o filme inteiro se torna um ato de submersão em que tudo lembra a presença e a necessidade da água. A água da chuva na janela do ônibus ou em ebulição diária para cozinhar o ovo, o copo de água do vilão caindo, o aquário e as tubulações do laboratório, as infiltrações no prédio, a masturbação na banheira, a necessidade de se chover mais para encher o cais… A produção se afunda na água junto com os personagens e o espectador e, por meio dessa submersão, nos mostra que qualquer ser, até mesmo um monstro, é capaz de refletir e reagir tanto à agressão quanto ao mais intenso e fantástico amor.
Nessa fábula impecável à qual você assiste sorrindo, tudo é lindo e suave, como a água fresca, pura e cristalina. Como no pensamento do dia: “O tempo é um rio fluindo no nosso passado”. É realmente uma obra-prima porque é uma ode ao cinema, com referências intermináveis e muito amor pela sétima arte – inclusive na homenagem musical em preto e branco, bem “Cantando na Chuva” e “Dançando nas Nuvens”, um momento em que as emoções explodem além dos limites da convenção. A trilha é envolvente e dá ritmo aos personagens. O roteiro é alinhado e convidativo, com tons de romance, humor e suspense. A atuação dos personagens é primorosa, principalmente a de Sally Hawkins. Tudo é sublime. Sentimos cheiro de Oscar!
Nessa bela história de dois solitários que não falam, um amor é descoberto: aquele que desafia até o medo e a biologia. Ali, não há bem ou mal, inocência ou ameaça, beleza ou monstruosidade. As diferenças são imperceptíveis; só nos bastam os sonhos. Como nessa idealização do diretor: “A água toma a forma de seu recipiente, seja ele qual for, e, embora a água possa ser muito suave, também é a força mais poderosa e maleável do universo. O amor também é, não é? Não importa que forma damos ao amor, ele se torna aquilo, se ele é homem, mulher ou criatura”.
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