A operação da Sandra Mineração na cidade de Prudente de Morais, em Minas Gerais, a pouco mais de 60 km de Belo Horizonte, gera debates no município mineiro e nas redes sociais. A área onde a empresa obteve o licenciamento ambiental, conhecida como Fazenda Escrivânia, possui importantes sítios arqueológicos e paleontológicos e foi utilizada como objeto de estudos do dinamarquês Peter Lund, o “pai da paleontologia brasileira”. Há preocupações sobre os impactos ambientais e culturais das atividades minerárias.
Recentemente, o licenciamento de suas atividades foi questionado pelo Ministério Público Estadual de Minas Gerais, trazendo à tona preocupações sobre os potenciais impactos na área histórica e cultural da região. A produção do Bastidores da Mineração procurou a mineradora, que em resposta aos questionamentos, emitiu uma nota.
Resposta da Sandra Mineração na íntegra
A Mina da Limeira, da Sandra Mineração, encontra-se regularmente licenciada pelo Estado de Minas Gerais e seus impactos ambientais foram devidamente avaliados pelo órgão licenciador, no âmbito de um processo de licenciamento ambiental próprio, fundamentado em diversos estudos técnicos que avaliaram vários aspectos, como fauna, flora, patrimônio espeleológico, entre outros.
Como resultado das análises realizadas e das medidas adotadas pela empresa, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou as concessões: (i) em 2020, a licença para a instalação do empreendimento e (ii) em setembro de 2024, a licença para sua operação. Tais decisões foram unânimes, contando, portanto, com manifestações favoráveis de representantes do poder público, do setor privado e da sociedade civil. A robustez desse processo foi, inclusive, reconhecida pelo Poder Judiciário.
Embora o Ministério Público tenha questionado em juízo a regularidade do licenciamento ambiental do empreendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no início deste mês de outubro, entendeu que as atividades da Sandra Mineração na Mina da Limeira estão regularmente amparadas em licenças ambientais e atos autorizativos válidos e que não houve constatação de qualquer dano ambiental.
Portanto, tanto a Administração Pública quanto o Poder Judiciário reconheceram a regularidade das atividades desenvolvidas na Mina da Limeira. Apesar da regularidade apontada pela empresa, há preocupações sobre a ameaça ao patrimônio cultural da Fazenda Escrivânia, um local de riqueza histórica e arqueológica. A área, famosa por seus sítios arqueológicos e paleontológicos, foi estudada pelo paleontólogo dinamarquês Peter Lund. Descobertas significativas, incluindo fósseis e pinturas rupestres, destacam a importância da preservação do local.
Para ensinar e aprender
O professor de geografia Eduardo Teixeira enfatiza o valor científico e educativo da região. “A Fazenda Escrivânia é um verdadeiro laboratório a céu aberto. Oferece uma experiência educacional única, permitindo que estudantes vivenciem a história e a ciência de forma prática. Considerar a região sob a perspectiva científica revela sua relevância paleontológica e arqueológica, especialmente devido aos achados do naturalista dinamarquês Peter Lund, que fez do Brasil o seu campo de estudo principal. Lund explorou mais de 800 cavernas, coletando cerca de 12.000 peças fósseis, das quais 40% foram retiradas da Escrivânia. Isso demonstra o valor inestimável desse local, que continua a ser uma fonte de conhecimento sobre a história da ocupação humana e a evolução da biodiversidade na região”, afirmou.
Complementando sua análise, Teixeira aponta os potenciais turísticos e pedagógicos da área, que vão além de sua relevância científica. “A Fazenda Escrivânia oferece uma oportunidade única para atividades educacionais, permitindo que alunos e pesquisadores vivenciem diretamente o ambiente de estudo. Em 2017, desenvolvemos um projeto com estudantes do ensino médio da Escola Estadual João Rodrigues da Silva, explorando o potencial turístico das regiões cársticas de Prudente de Morais. Visitamos sítios arqueológicos e cavernas, proporcionando aos alunos uma experiência concreta de aprendizado que se estende pela geografia, história, biologia e outras disciplinas. Essa interação direta com o ambiente natural torna-se um valioso recurso pedagógico e uma forma de incentivar a conservação e o respeito pelo patrimônio natural e cultural”, completou.
Vizinhança incômoda
A proximidade das operações da Sandra Mineração com o Condomínio Portal do Horizonte levanta preocupações entre os moradores sobre a segurança e os impactos ambientais. As atividades de extração de calcário suscitam questões sobre a segurança, qualidade de vida e preservação ambiental na região. Imagens aéreas revelam a curta distância entre o condomínio e a área de mineração, ilustrando visualmente a inquietação dos condôminos.
Além das perturbações sonoras e poeira, existe o temor de que as vibrações resultantes das explosões possam comprometer a integridade estrutural das casas vizinhas. Apesar destas preocupações, muitos moradores relutam em se manifestar publicamente, temendo retaliações ou repercussões indesejadas. Além disso, moradores estão aflitos com a possibilidade de a paisagem da Serrinha de São Sebastião se perder em meio às partículas de poeira. É que o local, tombado pelo município, é palco da tradicional Festa de São Sebastião e do Luau da Serrinha.
Os mapas abaixo mostram as áreas em que a mineradora tem a intenção de realizar a extração de calcário. Os perímetros estão demarcados pelas linhas na cor azul:
A mineradora já obteve o licenciamento ambiental para explorar uma área que pode conter 122 cavernas, das quais 64 são de alta e 18 de máxima relevância.
O projeto da Sandra Mineração prevê impactos negativos irreversíveis em 21 cavidades, incluindo 17 de alta relevância, com a caverna mais próxima da possível mina estando a menos de 250 metros de distância. Além disso, há a possibilidade de existirem cavidades ainda não catalogadas na área.
O espeleólogo Anael Espeschit explica como a relevância das cavernas é definida. “Existem vários critérios para avaliar a importância das cavernas, incluindo aspectos biológicos, físicos, arqueológicos, históricos e sociais. Esses critérios são utilizados para atribuir uma pontuação às cavernas, determinando sua relevância local, regional ou até nacional. Com base na pontuação, as cavernas são classificadas em diferentes níveis de importância: baixa, média ou alta. Além disso, há cavernas de relevância máxima, que se destacam por possuírem características únicas, seja por seu valor histórico, local, regional ou nacional. Essas cavernas ímpares são consideradas únicas e, portanto, protegidas por lei, estando isentas de impactos irreversíveis”, pontua.
Além do risco às cavidades, a área de proteção ambiental federal Carste de Lagoa Santa está a menos de cinco quilômetros do local planejado para a mineração. A mesma área, nas redondezas de Pedro Leopoldo e Confins, já foi alvo de controvérsia quando a cervejaria Heineken desistiu de instalar uma fábrica ali, devido à pressão popular para proteger o patrimônio arqueológico e paleontológico.
Mais questões
Após o recebimento da resposta oficial da Sandra Mineração sobre o licenciamento ambiental de suas atividades em Prudente de Morais, a produção do Bastidores da Mineração enviou outros questionamentos. Entre as indagações, estão: quais as visões dos gestores da empresa acerca dos impactos negativos no local, de grande importância para a paleontologia; quais medidas específicas estão sendo implementadas para mitigar os impactos ambientais negativos na Fazenda Escrivânia e no Maciço da Limeira; como a empresa pretende preservar os sítios arqueológicos e paleontológicos importantes na área de mineração; se há um levantamento de pinturas rupestres e fósseis encontrados na região; quais são os canais de comunicação disponíveis com a comunidade local sobre suas atividades e impactos; se já existe plena exploração de calcário na Fazenda Escrivânia; e quais medidas serão implementadas para a preservação da Serrinha de São Sebastião, um patrimônio tombado. No entanto, até o fechamento desta reportagem, as perguntas não foram respondidas. O espaço segue aberto.