Na semana passada, eu falei aqui, no Luiz, Câmera, Ação, sobre o meu preferido na categoria melhor filme do Oscar 2019: “Green Book: O Guia”. O longa tem uma temática bem direcionada de segregação racial – em que, na década de 60, um negro rico e talentoso contrata um sujeito branco e racista para trabalhar como seu motorista e assistente –, mas trata o assunto de maneira leve e emocionante. Sem exageros, tudo muito sutil e natural. O filme é realmente lindo!
Já outra produção, que também concorre como melhor filme no Oscar deste ano, é mais azeda, exagerada, consegue tocar na ferida norte-americana com mais brutalidade. Estou falando de “Infiltrado na Klan”, que teve ainda outras cinco indicações, incluindo melhor diretor para Spike Lee, que conseguiu sua primeira indicação e é apenas o sexto negro na história a ser escolhido na categoria.
Na história, no fim da década de 70, Ron Stallworth (John David Washington, filho do ator Denzel Washington), um raríssimo policial negro do Colorado, nos EUA, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, e, quando precisava estar fisicamente presente, enviava outro policial, branco, em seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron conseguiu sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio orquestrados pelos racistas. Ele chegou, inclusive, a ocupar cargos altos da hierarquia local na época, administrando a organização que prega a supremacia branca mesmo sendo exatamente o tipo de alvo mirado pelo grupo. Uma história que, se não fosse real, seria considerada absurda demais para ser contada no cinema. E mais: o filme sabe rir de si mesmo e contempla seus próprios absurdos, mas, quando você percebe, já está estabelecendo paralelos com os dias atuais, buscando liberdade de expressão e força política e atacando ideias racistas do início ao fim. Já deveríamos ter passado dessa fase na vida real, não é mesmo?
Mas não, não passamos! Ao ler um post no Instagram do Cinema com Crítica, fiquei abismado com a estarrecedora discriminação em Hollywood. De acordo com o site Data USA, apenas 7,7% dos diretores/produtores são negros, que, ainda assim, em 2018, comandaram só 16 dos cem maiores sucessos de bilheteria. Segundo o site, entre 2007 e o ano passado, apenas 80 dos 1.335 diretores eram negros. Mas estamos em busca de representatividade. E, se parar pra pensar, neste ano, até que temos muita! “Pantera Negra” está aí pra provar isso. A produção da Marvel ganhou sete indicações e se tornou o primeiro filme de super-herói a ser indicado na categoria de melhor filme. Mas queremos mais!
Entre os indicados vale destacar a animação “Homem-Aranha no Aranhaverso”, que tem como o protagonista Miles Morales, um jovem negro do Brooklyn, que se tornou o Homem-Aranha, inspirado no legado de Peter Parker. O personagem é dublado pelo ator Shameik Moore, participante da série “The Get Down”, e deve ganhar na categoria animação. Mas, ainda assim, queremos mais!
Fora do Oscar, em 2018, seja nos cinemas ou em streaming, algumas produções com negros no comando valem muito destaque. “As Viúvas”, de Steve McQueen, “Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi”, de Dee Rees, e “O Ódio que Você Semeia”, de George Tillman Jr, são boas opções para não esquecer as origens negras e já aguardar por um ano mais representativo.
É bom deixar claro que, na nossa era e na nossa Terra, não há mais lugar pra racistas. Se você não sente na pele tamanha desumanidade, reflita e veja o que está fazendo com seus privilégios. São eles que vão nos guiar neste grande século de igualdade tardia e necessária. Tirando uma lição com a repercussão de “Infiltrado na Klan”, podíamos enviar os racistas pra outro planeta. Deixar esse ódio em outra galáxia. É pedir muito um mundo com apenas paz e igualdade?
“Luiz, Câmera, Ação” é publicada neste espaço toda sexta-feira