Eu não sei você, mas, de um tempo pra cá, fiquei adepto de um pensamento admirável: um dos melhores aprendizados da vida é se surpreender. Na verdade, pouquíssimas vezes somos tão agraciados como quando nos vemos surpresos com o inesperado ou conseguimos admirar o diferente. E superar esse desafio interno é como vencer uma etapa de uma competição: a tendência é querer sempre mais e mais.
Eu sempre tive um enorme preconceito com filmes orientais. Não sei se é por causa da língua, que realmente me cansa, se é por preguiça dos atores mesmo ou simplesmente por achar que eles não são capazes. Assim, não me lembro a última vez que parei para ver uma produção coreana, por exemplo. Me indicaram “Invasão Zumbi”, que está disponível na Netflix, e pensei: “Eu não assisto nem filmes norte-americanos sobre zumbis, imagina um vindo do lado de lá?”. Mas estou aqui pra pagar minha língua: nunca pensei em dizer isso, mas um filme de zumbi coreano pode, sim, ser muito sensível. O roteiro é desenhadinho, a produção é bem-feita, os efeitos são bem reais, e preste atenção na garotinha e em como ela é mais evoluída que o próprio pai. Uma crítica e tanto!
E já que não estamos aqui para brincadeira – e se o assunto é superar seus limites e preconceitos –, tem mais! Fui atraído por boas críticas e por um ótimo elenco a assistir ao filme “Okja”, uma produção original Netflix, do diretor Bong Joon-Ho (de “O Expresso do Amanhã” e “O Hospedeiro”), com Tilda Swinton, Jake Gyllenhaal e Paul Dano entre os destaques. No filme, você conhece a história de Mikha, uma jovenzinha coreana que arrisca tudo para evitar que uma poderosa companhia multinacional leve seu melhor amigo – um superporco chamado Okja. Ele é um dos animais gigantes descobertos, criados em laboratório pela empresa capitalista – cuja carne prometida é deliciosa – e depois enviados para 26 países distintos. Após dez anos, eles participariam de um concurso que escolheria o melhor superporco. Essa história mostra o amadurecimento da garotinha, enquanto ela expande seus horizontes de um jeito que ninguém desejaria: tendo que enfrentar a dura realidade de separação de seu animal de estimação e outros cenários bem mais adultos, como de experiências com alimentos geneticamente modificados, globalização, terrorismo ecológico e a obsessão da humanidade com a própria imagem, marcas e autopromoção.
Após esse enumerado de problemas vistos por Mikha, nem é preciso dizer que o longa faz uma crítica ferrenha à matança indiscriminada de animais e à imoralidade da lógica da busca insaciável por lucro. A menina não entende por que seu animal (que é um porco, mas é inteligente e tem feições sentimentais) está indo para um abatedouro. Mal sabe ela (nem sabemos nós) sobre a violência e a tortura disfarçadas pelas quais os animais são obrigados a passar a cada segundo no mundo. Um longa impactante, atordoante, preocupante. Terminei o filme e pensei: “Não quero comer mais carne”. Uma pena que aquele aprendizado de se surpreender não é mágico e imediato. Queremos sempre mais e mais, sendo que o melhor seria o de menos.
“Luiz, Câmera, Ação” é publicada neste espaço toda sexta-feira!