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Um milhão de finais felizes | Vitor Martins

Um milhão de finais felizes é um romance LGBT nacional que fala sobre amor, quebra de preconceitos, autoconhecimento, autoestima e sobretudo apresenta aos leitores jovens um novo conceito de família, algo extremamente necessário nos dias de hoje.

Afinal, família não é apenas “aquele grupo de pessoas que vivem sobre o mesmo teto”. É a que te acolhe, que te apoia, te ensina, compartilha o amor e o respeito.

O mundo evoluiu, o conceito de família mudou, e alguém precisa apresentar isso pra nova geração. A literatura é um meio de tocar no assunto.

A história:  

Jonas é um jovem de 19 anos, que vive aquela fase primeiro emprego casa, casa trabalho, sem definir exatamente o que quer fazer da sua vida, ou o que esperar do futuro. Ele quer ser escritor, embora considere um sonho distante de se realizar. Para não perder as ideias para suas histórias nunca escritas, ele anota todas em um caderninho que carrega para todo lado. O caderninho de ideias é praticamente parte do corpo dele.

Muito além de escolher qual profissão seguir, Jonas precisa lidar com um peso que te sufoca, determina suas atitudes e influencia diretamente em seu modo de vida. Ele é gay e encara o dilema de esconder diariamente sua sexualidade da família.

 “Passei a minha adolescência inteira orando para que Deus me tornasse hétero. Para que ele mudasse meus pensamentos e me purificasse de uma vez por todas. Quando me deu conta de que não tinha jeito, comecei a orar para que a minha família nunca descobrisse.” (pág.293)

A família de Jonas compõe o estereótipo da “tradicional família brasileira”. Um termo que por si só, atualmente, remete a justificativas para preconceitos diversos. No decorrer da leitura você vai aprender que nascer homossexual dentro deste ceio familiar específico não é nada fácil. O desgaste emocional gera reflexos diretos na autoestima e mina as poucas chance de felicidade e liberdade.

“Eu só preciso correr de um lado para o outro agradando um pouco a minha mãe e não desagradando o meu pai até o dia em que puder sair de cada e não ter que me preocupar em agradar ninguém além de mim mesmo.” (pág.183)

A mãe é aquela doce mulher evangélica fervorosa, que faz tudo em razão de Deus e da Igreja, pisando sempre em ovos para agradar ao maridão. Prega o amor, mas na hora que o filho mais precisa é a primeira a virar as costas. Já o pai é o típico brutamontes adorador de cerveja e futebol, defensor da moral e dos bons costumes. Assinante de canais adulto, que exige tudo nas mãos, inclusive a atenção de um filho macho. Daqueles que proclamam em alto e bom som que “preferem ter um filho drogado a um filho gay”. O lar em que Jonas vive é simples, mas ao mesmo tempo tóxico e opressor.

“_Eu não sei mais o que fazer com você, Jonas. Eu não sei. Eu só queria um filho normal, pra assistir futebol comigo, pra aprender a dirigir, pra arrumar um emprego decente e não viver uma vida de merda.” (Pág.173)

Junto com a mãe, Jonas já fez parte das atividades da Igreja, acredita em Deus, mas se vê sempre julgado por ele nas mínimas atitudes. Esse temor vai fazer parte da sua vida, podando suas atitudes.

“Apesar do calor, não me sinto à vontade de bermuda na igreja. Nunca existiu uma regra contra isso, mas eu sempre sinto que Deus me julgaria se me visse chegando na casa dele com as pernas de fora. Hoje preciso de um julgamento a menos.” (pag.77)

O seu alento é o trabalho no Rocket Café, um famoso espaço na Avenida Paulista, a amizade com a colega de trabalho Karina e os amigos da época do colégio, Danilo e Isadora. A história gira em torno das experiências de Jonas com os amigos e os apuros da opressão disfarçada de “normalidade” que vive em casa.

“… viver por tantos anos numa realidade tão religiosa me fez ter medo de Deus. E consequentemente, medo de mim mesmo.” (pág. 44)

Com os amigos ele compartilha seus anseios, toma decisões importantes e aos poucos vai vencendo barreiras, entre elas a do amor, quando conhece o ruivo bissexual Arthur, inspiração para tirar do papel seu primeiro livro: “Piratas gays”.

Assim, paralelamente aos encontros e desencontros da vida de Jonas, conhecemos também a história de amor dos piratas Bart e Tod a bordo do Verloren ll. Na vida real Jonas, na literatura com Bart, as duas histórias se enlaçam na descoberta e na entrega ao amor.

O relacionamento de Jonas e Arthur é um grande passo para o despertar do verdadeiro Jonas rumo a liberdade. Em poucos minutos de leitura a gente já começa a ansiar por uma reviravolta na vida de Jonas e torcer pelas mínimas conquistas dele, inclusive com o crush.

Com Arthur, Jonas de fato consegue ser feliz e viver momentos raros de amor e cumplicidade. Como nada na vida de Jonas é perfeito e duradouro, há uma expectativa constante de que algo acontecerá para minar o amor deles. Pelo menos um alento, ao contrário da família de Jonas, a de Arthur é super aberta e incentiva o romance do moço.

Afinal, o que é um final feliz?

Esse foi o questionamento que esse livro me deixou, apesar de toda a delicadeza, sensibilidade e gentileza com que o escritor nos apresentou a história de Jonas, ela é pesada, com altos e baixos, e que reflete com perfeição a vida diária de muitos brasileiros LGBTs.  

Em uma narrativa bem voltada para o nosso dia a dia, no melhor estilo “a vida como ela é”, Vitor Martins escancara uma realidade com duros golpes de preconceito e rejeição. Eu enxerguei cada pedacinho da história de Jonas em fragmentos da realidade vivida por muitos amigos e conhecidos, não apenas homossexuais. A pressão de uma família tóxica, a imposição de regras (hoje) antiquadas, como modo de vestir e agir, que chega ao ponto, por exemplo, de determinar qual profissão o filho vai seguir, desrespeitando sua individualidade.

Um milhão de finais felizes é uma leitura necessária e útil, com ensinamentos preciosos e muitos sentimentos envolvidos e despertados em nós. Acompanhamos a vida de um jovem brasileiro em busca de paz, em dias tão conturbados em que a violência e o preconceito estão sempre à espreita impedindo qualquer possibilidade de bem-estar, já que felicidade é uma batalha diária.

Por isso a leitura se torna interessante, nos faz enxergar que entre os milhões de percalços que a vida irá nos apresentar, ter ou não um final feliz só depende de nós e do nosso ponto de vista/perspectiva.

“Eu tenho certeza de que, mesmo passando por tanta coisa ruim na vida, você ainda guarda um milhão de finais felizes aí dentro.” (pág. 332)

Um milhão de finais felizes entrou para minha lista de preferidos e recomendo a leitura não apenas para entretenimento, pela representatividade e empatia.

Toda vez que escrevo uma resenha de livro nacional, seja clássico ou recém-lançados, sempre bato na tecla de que a literatura brasileira não deixa em absolutamente nada a desejar em relação a literatura estrangeira. E que cabe ao leitor priorizar e dar valor, principalmente aos jovens escritores.

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Elis Rouse
Sou Elis, não sou Regina; sou do interior e amo a capital; sou jornalista, mas não trabalho em jornal; amo ler, sonho escrever; dicas vou dar, dicas quero receber; experiências vamos trocar; literatura brasileira vamos amar!