Álbum foi censurado na época, mas ficou marcado na carreira pelas músicas Tatuagem, Bárbara e Cobra de Vidro
Existem discos que deixaram marcas importantes na história do Brasil. Alguns porque venderam muitas cópias e tiveram muitos hits nas rádios, mas outros porque registraram a capacidade de produção musical de alguns artistas, como foi o caso do disco “Chico Canta (1973)” ou “Calabar: O Elogio da Traição” do cantor, compositor e escritor Chico Buarque. O álbum que deu vida ao livro e a peça foi baseado na história de Domingos Calabar, escrita por Chico Buarque e Ruy Guerra e traz consigo canções marcantes na carreira e sucessos inesquecíveis na boca dos fãs. Prova disso foi que o álbum vendeu muito bem, mesmo passando pelo crivo “pesado” da censura tendo sua capa e algumas músicas alteradas. A obra tem arranjos do músico e compositor Edu Lobo, direção de produção de Roberto Menescal, de estúdio com Sérgio M. de Carvalho e regência de Mário Tavares
Lançado em 1973, o disco “Chico Canta” foi totalmente extraido da peça “Calabar” trazendo músicas inesquecíveis a começar pela faixa “Prólogo (O Elogio da Traição)” que dá abertura para a estoteante e arrebatadora “Cala A Boca Bárbara”. A música traz um certo romantismo e mostra um Chico Buarque com quase 30 anos de idade no ápice da produção intelectual. “Ele sabe dos caminhos dessa minha terra. No meu corpo se escondeu, minhas matas percorreu. Os meus rios, os meus braços. Ele é o meu guerreiro nos colchões de terra. Nas bandeiras, bons lençóis. Nas trincheiras, quantos ais, ai. Cala a boca – olha o fogo! Cala a boca – olha a relva! Cala a boca, Bárbara”.
Na canção “Tatuagem” (um dos maiores sucessos da sua carreira), Chico Buarque exprime toda sua visão a respeito das paixões fulminantes. A música é uma das mais tocadas em seus shows. “Quero ficar no teu corpo. Feito tatuagem. Que é pra te dar coragem. Pra seguir viagem. Quando a noite vem. E também pra me perpetuar. Em tua escrava. Que você pega, esfrega. Nega, mas não lava. Quero brincar no teu corpo feito bailarina. Que logo se alucina. Salta e te ilumina quando a noite vem. E nos músculos exaustos. Do teu braço. Repousar frouxa, murcha, farta, Morta de cansaço. Quero pesar feito cruz. Nas tuas costas. Que te retalha em postas. Mas no fundo gostas. Quando a noite vem. Quero ser a cicatriz. Risonha e corrosiva. Marcada a frio. Ferro e fogo. Em carne viva”.
Em seguida “Chico Canta (1973)” segue com “Ana de Amsterdam” (orquestrada) e dá o tom para “Bárbara”, música que mais uma vez mostra o romantismo do artista. “Bárbara, Bárbara. Nunca é tarde, nunca é demais. Onde estou, onde estás. Meu amor, vem me buscar.O meu destino é caminhar assim. Desesperada e nua. Sabendo que no fim da noite serei tua. Deixa eu te proteger do mal, dos medos e da chuva. Acumulando de prazeres teu leito de viúva”. Na música “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador”, Chico Buarque mostra com maestria que também sabe fazer “marchinhas de Carnaval” muito bem.
A letra é bem alegre e para cima. “Não existe pecado do lado de baixo do equador. Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor. Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho. Um riacho de amor. Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo. Que eu sou professor”. Em seguida ele traz um “pout porri” com a música “Boi Voador”, uma espécie de piada na época. “Quem foi, quem foi. Que falou no boi voador. Manda prender esse boi. Seja esse boi o que for. O boi ainda dá bode. Qual é a do boi que revoa. Boi realmente não pode. Voar à toa. É fora, é fora, é fora. É fora da lei, é fora do ar. É fora, é fora, é fora. Segura esse boi. Proibido voar”.
Em “Fado Tropical”, Chico Buarque faz um duo com Ruy Guerra (poeta, professor, dramaturgo e cineasta). A letra fala sobre questões sociais e políticas de Portugal. Em seguida a canção “Tira as Mãos de Mim” traz a excelente percepção de Chico Buarque sobre relacionamentos. “Ele era mil. Tu és nenhum. Na guerra és vil. Na cama és mocho. Tira as mãos de mim. Põe as mãos em mim. E vê se o fogo dele. Guardado em mim. Te incendeia um pouco. Éramos nós. Estreitos nós. Enquanto tu. És laço frouxo. Tira as mãos de mim. Põe as mãos em mim. E vê se a febre dele. Guardada em mim. Te contagia um pouco”. Em seguida o disco segue com a música “Cobra de Vidro”, canção que também mostra parte da resistência vivida na época pelos atores / músicos e sociedade no geral.
“Chico Canta (1973)” segue com a música “Vence Na Vida Quem diz Sim” (orquestrada) e fecha com a incrível e bem escrita “Fortaleza”, mais uma das grandes composições de Chico Buarque. A letra mostra “talvez” parte dos momentos vividos pelo artista na época. “A minha tristeza não é feita de angústias. A minha tristeza não é feita de angústias. A minha surpresa. A minha surpresa é só feita de fatos. De sangue nos olhos e lama nos sapatos. Minha fortaleza. Minha fortaleza é de um silêncio infame. Bastando a si mesma, retendo o derrame. A minha represa”.
Avaliação
Entre as canções que indico de “Chico Canta (1973)” deixo: Tatuagem, Bárbara, Não Existe Pecado Ao Sul do Equador, Fado Tropical, Tira as Mãos de Mim, Cobra de Vidro e Fortaleza. Musicalmente, “Chico Canta (1973)” é primoroso! Avalio com cinco estrelas (máxima), pois o álbum traz arranjos de Edu Lobo, direção de produção de Roberto Menescal, de estúdio com Sérgio M. de Carvalho, regência de Mário Tavares e capa de Regina Vater. Além disso, canções que nos fazem pensar sobre como algumas coisas mudaram no país e outras nem tanto. O disco “Chico Canta (1973)” ou “Calabar: O Elogio da Traição” está disponível no formato físico em CD, vinil e também nos canais Deezer e Spotify.
Até a próxima Crítica Musical.
Crítica Musical é publicada neste espaço toda quinta-feira.