Tem um filme na lista da Netflix que é uma mistura de sentimentos. “Whiplash: Em Busca da Perfeição”, escrito e dirigido pelo jovem Damien Chazelle (que também arrebentou no ano passado com o musical “La La Land: Cantando Emoções”), te instiga, te incomoda, te emociona, te encanta, te faz rir, te faz chorar, te angústia… Realmente, “angústia” é a palavra-chave desse filme que é uma das melhores indicações de 2015. Assim como o nome em português entrega tudo logo de cara, o filme conta a história do baterista Andrew Neyman (Miles Teller), que quer atingir a perfeição e, assim, chegar ao sonho de se tornar um dos maiores músicos de seu tempo. Para isso, consegue uma vaga no mais prestigiado conservatório dos EUA e tenta atrair a atenção do exigente e cruel Terence Fletcher (J.K. Simmons), que comanda uma ótima banda de jazz, berço de grandes profissionais. A disciplina militar de Fletcher (tipo o sargento Hartman, de “Nascido para Matar”) assusta, mas não ao garoto Andrew, que passa a se dedicar aos ensaios de maneira quase autodestrutiva e ter o lado psicológico e emocional bem abalado.
O mais cativante do filme – vencedor de três categorias no Oscar 2015: melhor mixagem de som, melhor montagem e melhor ator coadjuvante para J.K. Simmons – é que ele provoca uma cansativa discussão sobre educação e a fronteira entre incentivo e abuso, mas, ao mesmo tempo, traz o melhor do jazz, numa trilha sonora encantadora. Ou seja, ele te angustia e, logo, te acalma. Longos minutos de um solo de bateria não são nada cansativos; pelo contrário, é música de qualidade para seus ouvidos. E o método do professor bonzão, carregado de frases racistas e homofóbicas, nem fica demasiado aos olhos do espectador. Num humor negro, ele até provoca o riso em várias das ofensas e diminui o peso do momento. Dentro desse angustiante (repito e reforço) método, Fletcher chega à frase que faz qualquer um mergulhar na reflexão e vasculhar o interior com razão: “Não há duas palavras mais danosas do que ‘bom trabalho’”.
Você sabe, vários gênios só se tornaram gênios porque se esforçaram à exaustão. E o discurso do mestre é que não há nada mais frustrante ou que o force ainda mais a sua zona de conforto do que o elogio simplório de que você “apenas” fez um trabalho bom. O que não deixa de ser verdade. Vivemos, estudamos, crescemos, buscamos o nosso melhor. E precisamos de algo que nos excite, que nos alimente, que nos faça ir adiante. Agora, cuidado: a obsessão pela perfeição fica logo depois da linha tênue que divide o “quero me destacar” do “vou me autodestruir”. E é nessa divisão que você pode acabar se perdendo, se dissolvendo, se estrepando…
É nesse patamar que se encontra a relação de amor e ódio entre Andrew e Fletcher em “Whiplash”. A ambição, a arrogância e a presunção de ambos se misturam ao esforço excessivo e ao talento nato deles. Ou seja, você vê ali uma briga de egos devastadora, mas, ao mesmo tempo, percebe que um precisa do outro, que o trabalho árduo de um é o complemento do vício do outro, e a dinâmica do filme se mostra fantástica. No fim, após uma cena musical estonteante, a reflexão é inevitável (todos os filmes deveriam ser assim, né?!). Em sua interior afetação, é melhor ter a convicção de sua surreal pretensão ou a leve intenção de direção para uma pura inspiração? É só não misturar idealização com ilusão.