Nos últimos tempos vários livros têm sido alvo de polêmicas e censura, envolvendo pais de alunos que contestam, principalmente por meio das redes sociais, a escolha de determinadas histórias que serão trabalhadas em sala de aula. A grande maioria movidos por pré-conceito, influencias religiosas ou políticas.
Em 2016, a escolha de “A marca de uma lágrima” do escritor Pedro Bandeira, best-seller da literatura nacional, gerou revolta em pais de alunos de uma escola particular de BH, que criaram um abaixo-assinado pedindo a exclusão da obra da grade curricular. A alegação era a de que a história continha conteúdo erótico e inapropriado. A publicação, que é de 1985, já ganhou o prêmio de Melhor Livro Juvenil pela Associação pela Associação Paulista de Críticos de Artes, além de marcar uma geração de leitores. A história acompanha as reflexões da vida da adolescente Isabel, as incertezas da idade, e sobretudo a desilução amorosa que é amar perdidamente seu primo, que ama sua melhor amiga.
Em 2018, foi a vez da escritora e ocupante da cadeira nº 1 na Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado, com o livro “O menino que espiava pra dentro”, publicado em 1983, ser alvo de polêmica, após a mãe de um aluno publicar um textão na internet, com a interpretação de um trecho do livro, em que segundo ela, incentivava o suicídio. A repercussão foi tamanha que a Revista Crescer, fez uma reportagem ouvindo especialistas, pais e a própria autora, sobre o trecho em questão.
Omo-Oba, da escritora paulista Kiusam de Oliveira, ilustrações Josias Marinho, também entrou para lista de polêmicas de 2018, após o desabafo de uma mãe de aluno viralizar nas redes sociais.
Neste caso, a mãe que é negra, denunciava o comunicado da escola da escolha do filho, informando que trocaria o livro sobre cultura africana por outro, após reclamações de alguns pais. A escola não deu detalhes sobre o teor de tais reclamações. A repercussão negativa, fez com que a escola voltasse atrás e seguisse com o livro para o estudo.
É importante ligar o sinal de alerta, por se tratar de livros voltados para o público infantil, escolhidos após minucioso crivo dos docentes. Muitos desses livros, como é o caso de Omo-Oba, só estão nas escolas por conta de leis como a 11.645/2008 que trata da obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no currículo oficial da rede de ensino.
E sabemos que essa obrigatoriedade não é a toa. Ela visa o conhecimento de culturas historicamente esquecidas nas escolas e no dia a dia dos brasileiros, justamente alvos de discriminação e preconceito.
Vale ressaltar a importância da literatura infantil para o desenvolvimento da criança, sobretudo na formação de senso crítico, no desenvolvimento da empatia, reflexão e claro, quebra de preconceitos. As consequências da censura a estes livros nas escolas brasileiras, aliado a falta do hábito de leitura por grande parcela da população, só veremos daqui a alguns anos.
Não foi apresentado de fato o real motivo para a censura a Omo-Oba, mas não é difícil compreender. O livro conta apresenta histórias de orixás femininas, protagonistas negras, que carregam nos nomes o peso do preconceito das religiões de matrizes africanas, historicamente demonizadas no Ocidente. De uma forma leve e lúdica, conhecemos as princesas Oiá, Oxum, Iemanjá, Olocum, Ajê Xalugá, Oduduá. Ambas têm em comum seu amigo Ogum. Nada mais que crianças, vivendo no mundo de fantasia, com seus dilemas, moral da história, nada diferente do que a literatura infantil americana ou inglesa tem para nos oferecer.
Em pouco mais de 40 páginas você aprende sobre respeito, empoderamento, generosidade e amizade. Sinceramente fiz uma leitura crítica, procurando algo que justificasse o “censura” dos pais, mas achei aqui um livro que quebra barreiras e muito gostoso de ler. Só tenho elogios a autora Kiusam de Oliveira e ao ilustrador pelas belíssimas e encantadoras imagens.
“Toda menina, toda mocinha e toda mulher tem dentro de si a força e o poder de um animal selvagem sagrado que, em certos momentos, devem ser colocados para fora, devem explodir para o universo com a mensagem de que fazemos parte de tudo isto.” (pág.15)
É um livro muito bem diagramado, o projeto gráfico é de muito bom gosto. Parabéns também a editora Mazza. O texto é simples, fácil de ler. Gostei do detalhe de informar as cores preferidas de cada princesa, seus atributos e os enfeites que gostavam de usar.
São 6 contos completamente diferentes, com detalhes únicos, e personagens com personalidades diferentes.
• Oiá e búfalo interior: É a história de uma princesa cheia de graça e beleza, mas nem por isso frágil. Assim como todas as mulheres, Oiá tem uma força interior que às vezes pode ser confundida com a de um búfalo, por exemplo.
• Oxum e seu mistério: Traz a história da menina que encantava pela beleza e vaidade. Aqui, ela usa seus encantos para tirar seu amigo Ogum de um certo “exílio” na floresta.
• Iemanjá e o poder da criação do mundo: É uma versão diferente da criação do universo.
• Olocum e o segredo do fundo do oceano: É a única princesinha descrita como triste e tímida. Humana durante o dia e anfíbia durante a noite, Olocum quer ser amiga de um humano, mas será que ele aceitará essa condição?
• Ajê Xalugá e o seu brilho intenso: Foi o conto que eu mais gostei. Traz a história da menina Ajê Xalugá, que aliás é irmão de Yemanjá. Assim como as outras princesas, Ajê é vaidosa, bonita e impetuosa. Vive no fundo do mar e gostava de xeretar outras partes do oceano e galopar pelas ondas. Até que um encontro com a princesa Olocum, lhe rende uma lição ao melhor estilo “lei do retorno”.
• Oduduá e a briga pelos sete anéis: Conta a história de Oduduá, uma princesa que vivia em uma cabaça apertada com o príncipe Obatalá, que adorava lhe dar ordens. A disputa por sete anéis de ouro vai culminar na criação de céu e da terra. É a única princesa que não é vaidosa
Simples assim! Talvez se o nome das princesas fosse Aurora, Ariel, Elsa, Anna ou Bela, ou qualquer um dos escolhidos pela Disney, Omo-Oba tivesse passado batido pelas polêmicas.
Omo-Oba é uma ótima sugestão de presente, não apenas para as crianças, mas para os adultos que precisam urgentemente de conhecimento e discernimento. Esqueça as polêmicas e os pré-conceitos, se jogue na leitura e tire suas próprias conclusões.
Esta coluna é publicada invariavelmente as segundas, porque às vezes o livro é bem grande (rs)
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