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Luiz, Câmera, Ação: A força divina na telona

Filme: A Cabana

Ano: 2017

Gênero: Drama

País: EUA

Diretor: Stuart Hazeldine

Trailer: 

 

 

Há uns oito ou dez anos, quando todo mundo já tinha desossado o livro “A Cabana” e fazia comentários gigantescos e emocionados em várias comunidades do Orkut, eu até tentei, mas não consegui. Minhas três irmãs leram o best-seller de William P. Young e, assim como milhares de fãs, cultuaram a obra, disseminaram as ideias dela e a indicaram pra Deus e o mundo. Eu até comecei, mas não consegui terminar… Não sei o que houve, principalmente porque eu, justo eu, me obrigo a terminar qualquer livro. Não me permito parar algo no meio. É quase uma regra que imponho a mim mesmo. Mas algo aconteceu e me travou porque, definitivamente, não funcionou.
 
 
Hoje, após assistir ao filme do diretor Stuart Hazeldine, em cartaz nos cinemas, consegui perceber o que houve. E vou explicar pra você. O livro e o filme contam a história de Mack, vivido por Sam Worthington (de “Avatar”), que tinha uma vida feliz até que sua filha caçula foi raptada e morta depois de um passeio em família por um bosque nas montanhas. A tragédia destrói sua vida. Ele fica completamente perdido, se sente culpado, os laços familiares se corrompem, tudo se transforma no maior e pior desmoronamento por que um ser humano pode passar. Mas algo pode mudar depois que uma carta enviada por Deus o convida a regressar ao local do assassinato da menina: a tal cabana.
 
 
Muita gente que não liga pra religião já pararia na sinopse, né?! Não faça isso! A trama é feita para os dois tipos de público, e, mesmo que ache que não, você se encaixa em um deles: os que leram o livro e os que, mesmo dez anos após sua publicação, não o fizeram. Ou seja, todos! Até os mais céticos. A religião é “apenas” um detalhe que vai te fazer pensar e fazer outros chorarem. Eu acredito que o diretor acertou em muitos pontos, que deixaram o filme menos monótono, menos piegas e até mais crível – o que é difícil nesses casos de religião, já que a personificação de Deus não é muito comum de se ver por aí. Com um acertado elenco, uma trilha acolhedora e um cenário bem lúdico, colorido e paradisíaco, com forte presença de elementos da natureza, o filme avança no quesito visual e adiciona emoção às passagens extensas e lentas da obra original. Diferentemente do que ocorre no livro, você não vê o filme passar e se emociona com o desespero, a dor, a reflexão e a recuperação concludente e iminente de um desesperado pai. 
 
 
E algo tem que ser dito, como um grande e necessário parênteses: mesmo aquele que não é ligado à religião percebe (tanto nas páginas quanto nas telonas) que os membros da Santíssima Trindade são de diferentes raças: Deus é interpretado por uma atriz negra, Octavia Spencer (de “Estrelas Além do Tempo” e vencedora do Oscar 2012 de melhor atriz coadjuvante por “Histórias Cruzadas”), Jesus Cristo é vivido por um ator com traços do Oriente Médio, Aviv Alush, e uma atriz oriental, Sumire, vive Sarayu ou o Espírito Santo; opções interessantes, criativas e corajosas numa diversidade iluminada e acertada de etnias. Além disso, os latinos também são representados por uma atriz brasileira, Alice Braga, que interpreta o papel da Sabedoria ou da Justiça, em um trecho deslocado esteticamente do filme e, por assim dizer, um dos mais emocionantes. “Eu acho que o fato do autor ter usado latinos, asiáticos, israelitas, afro-americanos não muda a forma do Cristianismo. Todos fomos feitos à sua imagem”, refletiu Octavia, dando mais uma declaração divina, até mesmo fora das telas. 
 
 
Precisa dizer que gostei do filme? Que chorei? Que ele, ao contrário do livro, me comoveu tanto que saí do cinema questionando minha relação com Deus? É realmente tocante! No filme, Deus se apresentou de forma materna ao protagonista e não o forçou a acreditar ou a perdoar, mas o ajudou a chegar a suas próprias conclusões. E esse mesmo protagonista, que sente raiva e revolta, possuído pela vingança e pela culpa, consegue “acreditar” em seu próprio tempo, se reerguer e prosseguir, entendendo que aquela dor inimaginável que sente faz parte do processo. Como não duvidar de Deus ao receber a notícia de que sua filhinha está morta? Como seguir sem a vontade de trucidar o assassino ou sem a culpa por ter “deixado” tudo aquilo acontecer? Às vezes, para perceber que uma força descomunal ama especialmente você, é necessário uma oração à noite. Às vezes, uma reflexiva leitura basta. Mas também, às vezes, até o cinema pode te ajudar a entrar nessa cabana.
 
 
“Luiz, Câmera, Ação” é publicada neste espaço toda sexta-feira!
 

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Luiz Cabral
Palpiteiro de plantão, Cabral é, atualmente, responsável pelas colunas SuperDicas (@superdicasbh), com sugestões de gastronomia e diversão na capital; Nossas Histórias, com textos de cotidiano e comportamento; e Luiz, Câmera, Ação – www.luizcameraacao.com, com indicações de filmes e reflexões sobre o que a magia do cinema faz nas nossas vidas. A sétima arte, inclusive, é a sua maior paixão. Aqui neste espaço ele vai narrar, com sensibilidade e crítica, como um filme pode ser muito mais que duas horas de diversão na poltrona do cinema.